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Anfetaminas
Anfetaminas
são drogas sintéticas que estimulam a atividade do sistema
nervoso central. Edellano, em 1887, foi quem primeiro obteve essa substância
em laboratório, que só foi utilizada em larga escala durante
a Segunda Guerra Mundial para manter os soldados acordados e mais ativos
no esforço de guerra. Ficou evidente também que as anfetaminas,
que se mostraram eficazes para deixá-los mais atentos e confiantes,
diminuíam a sensação de fome e fadiga.Passado algum
tempo, porém, as autoridades médicas da Inglaterra verificaram
que, sob o efeito dessas drogas, o desempenho dos pilotos da RAF ficava
seriamente comprometido e proibiram seu uso.
Mais tarde, quando a ação das anfetaminas como inibidoras
do apetite foi comprovada, elas passaram a ser usadas nas dietas alimentares
pelas pessoas que queriam perder peso. Embora esse tenha sido o uso que
as tornou extremamente populares mundo afora, não é o único.||
São anfetaminas o “rebite” que o caminhoneiro toma
para não dormir ao volante, a “bolinha” que deixa o
estudante aceso nas vésperas das provas e os comprimidos de ecstasy
de que se serve o jovem para varar a noite nas baladas.
O Brasil é o maior consumidor mundial de anfetaminas, dado que
preocupa as autoridades de saúde pública. Para cada mil
habitantes, são consumidos nove comprimidos de anfetamina por dia,
uma droga que produz tolerância e traz prejuízos indiscutíveis
à saúde.
Como agem as anfetaminas no cérebro?
As anfetaminas e seus derivados exercem determinadas ações
químicas sobre o cérebro que provocam excitação,
insônia e falta de apetite. As alterações que promovem
nos neurotransmissores chamados dopamina e serotonina tornam os indivíduos
mais alerta, mais atentos e também conferem grande sensação
de bem-estar. Sob o efeito dessas drogas, efeito que se mantém
por algum tempo, eles acham que conseguem tudo, podem tudo, tornam-se
mais falantes e apresentam aparente melhora do desempenho intelectual.
Sua ação pode durar oito, dez ou até doze horas.
Passado o efeito, porém, o indivíduo se sente deprimido,
angustiado, como se estivesse descarregado, o que provoca a necessidade
de consumir de novo um ou mais comprimidos. As anfetaminas agem no sistema
nervoso central e também sobre outros órgãos provocando
aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial,
arritmias, diarreias, gastrite, tremor fino de mãos, boca seca,
irritabilidade intensa. Podem, ainda, ser responsáveis por episódios
de intestino preso que, muitas vezes, se alternam com crises de diarréia.
Recentemente, um trabalho com mulheres mostrou que certos tipos de anfetaminas
provocam mais acidentes vasculares cerebrais, ou seja, mais derrames,
em virtude do grande aumento da pressão arterial que provocam.
É importante lembrar que a anfetamina e seus derivados têm
duas indicações médicas: para o transtorno do déficit
de atenção (TDAH), que pode acometer tanto as crianças
quanto os adultos, e para a narcolepsia, um distúrbio cujo principal
sintoma é a sonolência excessiva.
Exceção feita a esses dois casos, essas drogas são
usadas de maneira infeliz e exagerada no controle do peso e do apetite.
Elas entram na composição de fórmulas magistrais,
que a pessoa toma dois ou três comprimidos por dia e incluem, além
da anfetamina, um tranquilizante, um hormônio da tireoide, um diurético,
um antidepressivo e outro moderador de apetite.
O ecstasy que a garotada toma nas festas para passar a noite acordada
também é um tipo de anfetamina. O ecstasy ou MDMA,
que é a sigla dessa droga, é um derivado da anfetamina que
mantém o indivíduo acordado e mais atento. Essa substância
também aumenta a sensação de luminosidade e a acuidade
visual. Passado seu efeito, porém, a pessoa sente extremo cansaço,
sonolência, depressão e irritabilidade.Outros derivados da
anfetamina são conhecidos há muito tempo. O aluno que precisava
passar a noite estudando tomava “bolinha”, que era vendida
livremente nas farmácias, e o caminhoneiro toma “rebite’
para ficar acordado enquanto dirige de madrugada.
As anfetaminas realmente reduzem o apetite durante um período limitado.
Por isso, muitas vezes, a pessoa aumenta a dose por conta própria
para prolongar o efeito. Embora no início as anfetaminas possam
promover perda rápida de peso, a suspensão da droga provoca
o efeito rebote, o apetite aumenta exageradamente e é comum o indivíduo
ganhar mais peso do que tinha antes de tomar a droga. Um individuo que
perde 10kg em 30 dias tem alguma coisa de errado, porque está consumindo
energia demais. Certamente, quando suspender o remédio, vai recuperar
os dez quilos que perdeu e mais alguns. Como não quer que isso
aconteça, com frequência acaba aumentando as doses diárias
das anfetaminas, o que provoca efeitos psiquiátricos às
vezes graves
De modo geral, qual é a dosagem diária das anfetaminas
usadas nos regimes para emagrecer?
É preciso muito cuidado quando se fala em doses adequadas de anfetaminas
nas dietas para emagrecimento. Cada vez mais o consenso é que essas
drogas não deveriam ser utilizadas com essa função.
A meu ver, não basta apenas o controle da prescrição.
É necessário proibir que sejam prescritas.
Os endocrinologistas que prescrevem essas drogas argumentam que
existem poucas armas para o tratamento da obesidade nos hospitais públicos.
Como as anfetaminas são baratas, acabam virando o único
recurso disponível para grande parte da nossa população.
Esse é o argumento oficial de endocrinologistas respeitáveis
e de bom senso. Entretanto, existe um arsenal terapêutico constituído
por outras drogas, entre elas alguns medicamentos genéricos, que
podem ser utilizados, e recursos não medicamentosos, como a insistência
na dieta equilibrada.
A prevenção da obesidade deveria começar muito cedo,
na escola. Esse trabalho já foi realizado em outros países
com sucesso e resultou não só na redução do
consumo de anfetaminas e seus derivados, como também na redução
dos casos de obesidade.
Por isso defendo a proibição do uso dessas drogas nas dietas
alimentares. Não há argumento que justifique oferecer à
população de menor renda um remédio ruim que pode
ter efeitos deletérios, se ele pode ser substituído por
outros recursos terapêuticos.
O abuso e a dependência de anfetaminas ainda são pouco estudados
no Brasil, mas ninguém mais discute que seu uso contínuo
provoca quadros psiquiátricos graves de depressão e irritabilidade
com “viradas” para euforia. Ou seja, a fase maníaca
em que a pessoa fica excitada, eufórica, falante, com comportamento
inadequado, alterna-se com quadros paranoides caracterizados por extrema
desconfiança. É o caminhoneiro que imagina estar sendo perseguido
pelos ocupantes do carro que vem atrás ou o funcionário
que acha que todos os colegas estão falando mal dele no escritório.
Caso se chegue à conclusão de que não há alternativa
de tratamento, o tempo de uso das anfetaminas deve ser muito breve. Em
alguns países, não pode ultrapassar dois ou três meses.
Volto a insistir no que acontece no Brasil. Se pudermos oferecer outras
possibilidades de tratamento para a obesidade, o tempo de uso deve ser
nenhum. A prática clínica mostra que existem indivíduos
usando anfetaminas há 8, 10, 12 anos e que muitos deles obtêm
a droga em farmácias de manipulação sem necessidade
de renovar a prescrição médica.
Qual é a relação entre anfetaminas e fórmulas
para emagrecer?
Na composição das fórmulas para emagrecer prescritas
indevidamente por alguns médicos entram, geralmente, um moderador
de apetite, um diurético, um laxante e um hormônio da tireoide.
É fundamental reforçar que nem o diurético nem o
laxante ajudam a emagrecer (a pessoa só perde líquido, que
é recuperado em seguida) e que a Associação Brasileira
de Obesidade é totalmente contrária ao uso do hormônio
da tireoide, porque não promove o emagrecimento e pode levar à
lesão dessa glândula e a lesões cardiológicas.
Muitas vezes, com a função de contrabalançar o efeito
euforizante ou excitante do moderador de apetite, essas fórmulas
incluem um tranquilizante ou um antidepressivo, substâncias que
também induzem a dependência.
Existem resoluções médicas muito claras contra o
uso de fórmulas para emagrecimento. Por que os médicos continuam
receitando? De fato, há mais do que normas médicas restritivas;
existem leis proibindo o uso associado de drogas com ação
sobre o sistema nervoso central. Por isso, acho difícil encontrar
uma razão científica para alguns colegas continuarem a prescrever
essas fórmulas ou a compor duas ou três formulações
diferentes para prescrevê-las.
Quais são os efeitos colaterais do uso contínuo
das anfetaminas?
Em geral, as pessoas ficam deprimidas, tristes, irritadas, muito ansiosas,
com ataques de pânico e reação suicida. Algumas chegam
a desenvolver quadros psicóticos ou paranoides graves. Muitas experimentam
perdas importantes tanto profissionais quanto de relacionamento pessoal
e precisam aumentar o uso da droga para manter algum nível de funcionamento.
Fonte: Dr. Táki Cordas é medico psiquiatra,
coordenador do Ambulim – Ambulatório de Bulimia e Transtornos
Alimentares – do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
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