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Família na visão Paliativa
De modo geral, exceto as infelizes exceções, o familiar
representa mais do que a simples presença de alguém promovendo
cuidados ao paciente. O familiar representa alguém que, independente
das possibilidades terapêuticas, pode compreender e realizar com
carinho difíceis tarefas como, por exemplo, dar banho, às
vezes no leito, dar a medicação nas doses e horários
certos, preparar e dar uma alimentação adequada, fazer curativos,
etc.
É claro que os profissionais contratados para essas tarefas poderão
fazê-las melhor, tecnicamente, mas importa muito a maneira e o carinho
com que são realizadas. Havendo a qualidade afetiva dos cuidados,
outros cuidadores, além da família podem ser envolvidos
no Tratamento Paliativo.
Um dos propósitos da Medicina Paliativa é orientar a família
para que ela seja um bom suporte de auxílio ao paciente terminal,
priorizando sempre as condições necessárias para
manter o paciente em casa onde, seguramente, terá uma qualidade
de vida melhor. Em casa ele estará cercado de carinho e atenção,
o que pode minimizar o seu medo de morrer.
Para a desejável participação familiar plena devem
ser identificados, dentro da dinâmica familiar, os eventuais pontos
de conflitos, anteriores e posteriores ao diagnóstico da doença.
Antigamente o paciente em fase terminal morria em sua própria casa,
lentamente, onde tinha tempo para despedir-se e passar seus últimos
momentos com seus familiares. Nossa cultura científica e objetiva
por excelência, muitas vezes acaba por deixar pessoas morrerem sozinhas,
na assepsia fria dos hospitais e experimentando, como último sentimento,
um dos medos mais primitivos do ser humano: a solidão.
Com o desenvolvimento científico morrer tornou-se solitário
e desumano. Geralmente o doente, cognominado Doente 620-C ou doente do
Box 3-B, é confinado ao seu leito onde aguarda a morte chegar,
estando as pessoas seriamente preocupadas com o funcionamento de seus
pulmões, secreções, pressão venosa central,
traçado eletrocardiográfico, etc.
Diante do paciente terminal, quando a medicina já sabe que a doença
venceu a guerra, não cabe mais ao médico a tentativa de
cura, muitas vezes extremamente sofrível e estéril, mas
assistir, servir, confortar e cuidar. Se pretendermos ajudar alguém
nessa fase, seja terapeuticamente, medicamente ou humanamente, deveremos
nos informar e nos preparar para lidar com a morte.
Mas sempre tem alguém que já sabe sobre a morte, não
precisa saber mais nada, como é comum dizerem sobre qualquer tema
da psicologia e da psiquiatria. Ora, todos também sabemos correr.
O problema é que, se não treinarmos e aperfeiçoarmos
a arte de correr, jamais faremos alguma coisa meritosa com nossa maneira,
digamos, “natural” de correr. Portanto, vamos falar da morte
para ajudar pessoas que morrem...
Segundo o paradigma cartesiano, segundo ainda os dicionários objetivos,
a morte se constitui o oposto da vida. Por isso, torna-se um fenômeno
aterrorizante, repulsivo e desconhecido para nossa espécie, que
exulta instintivamente a vida. Dor e medo são os sentimentos básicos
predominantes nesta relação com a morte.
Mas a morte é um processo biológico natural e necessário.
Falar que a morte é o contrário da vida não é
correto. A morte é uma condição indispensável
à sobrevivência da espécie e, através dela
a vida se alimenta e se renova. Desta maneira a morte não seria
a negação da vida e sim um artifício da natureza
para tornar possível a manutenção da vida.
A sociedade ocidental, basicamente, rejeita a morte procurando constantemente
vencê-la e para isso se baseia no seu desenvolvimento científico.
A tentativa de vencer ou, no mínimo, contornar a morte é
pretendida com certo sucesso pela medicina moderna.
Tomando por base a aspiração natural do ser humano para
a vida, considerando ainda que o maior desejo do ser humano é a
imortalidade, na maioria das vezes a morte é considerada uma inimiga.
O sonho da permanência eterna ou, no mínimo, muitíssima
prolongada, ganhou um importante aliado com os avanços da medicina,
com o aumento da expectativa de vida, com a possibilidade de haver cura
para todas as doenças, mesmo o câncer ou a Aids.
Enfim, a ciência médica com seus progressos para a melhoria
da vida, com seus avanços científico-tecnológicos,
com a indiscutível eficiência dos diagnósticos, dos
medicamentos, das técnicas cirúrgicas, etc, não tem
tido tempo de falar da morte. Não a ciência médica,
mas os médicos, embevecidos pelo sucesso na promoção
da vida, acabam achando um despropósito dedicar-se a cuidar da
morte, único evento decididamente atrelado à vida.
Não se sabe bem porque mas, apesar do sucesso da ciência
em prolongar a vida útil do ser humano, em manter jovem por mais
tempo as pessoas, em atrasar o envelhecimento, em fazer viver mais de
100 anos, enfim, apesar de todos esses fatores de valorização
da vida e da conquista da beleza e jovialidade duradouras, a idéia
da morte continua assombrando ainda mais.
Poderíamos perguntar, hipoteticamente, ao ser humano: - “depois
de todas essas conquistas da ciência para aumentar o tempo e a qualidade
da existência humana, você está satisfeito?”
Certamente a resposta é não. E é graças a
esse inconformismo com a finitude que o ser humano promove, cada vez mais,
sua permanência entre os vivos. Talvez todo esse avanço tenha
servido para estimular maior apego ainda à vida.
Enfim, tudo o que possa lembrar a morte, seja a doença grave, a
velhice, a decrepitude e até a própria idade é escamoteado.
Para a ocultação ser completa, o próprio doente que
vai morrer, morre no hospital, longe dos olhos (e do coração).
Também os rituais de luto são cada vez mais rápidos
e pragmáticos, digamos, mais empresariais e mais clean.
Como se não bastasse o verdadeiro pânico do ser humano diante
da morte, ainda somos educados com a personificação da morte
representada por um esqueleto coberto com uma capa preta e carregando
uma foice afiada na mão, pronta para degolar quem quer que se aproxime.
Dificilmente as pessoas entenderão que a morte possa apenas representar
uma vida que chegou naturalmente ao fim, uma existência que simplesmente
expirou.
A duração máxima da vida humana atualmente é
de, aproximadamente, 120 anos. Alguns centros científicos dedicados
à pesquisa da longevidade trabalham com uma expectativa de levar
a vida humana até os 400 anos.
Hoje se acredita que o processo de envelhecimento, que culmina com a morte,
não se dá aleatoriamente, simplesmente como conseqüência
natural da degeneração, mas como um processo ativo e geneticamente
programado. Este programa estaria impresso nos cromossomos, ou seja, nossas
células se regenerariam um número geneticamente definido
de vezes, depois do qual morreriam.
Ballone GJ - Lidando com a Morte - in. PsiqWeb, Internet, disponível
em www.psiqweb.med.br
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