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        QUE É PIOR: TER CÂNCER OU TER MEDO DE TER CÂNCER? A 
        princípio esta pergunta parece descabida, uma vez que obviamente 
        ninguém quer estar doente, muito menos com uma doença séria 
        como o câncer. No entanto, se analisarmos alguns aspectos, veremos 
        que muitas vezes é preferível enfrentarmos o diagnóstico 
        da doença e o tratamento adequado a atrasar por um longo tempo 
        esse diagnóstico e, com isso, prejudicar sensivelmente as chances 
        de um bom resultado terapêutico. 
 Em um estudo que abordou os aspectos clínicos e terapêuticas 
        referentes a 895 casos de câncer de língua tratados no Hospital 
        A. C. Camargo, encontramos que as chances de cura para os pacientes atendidos 
        na década de 80 foram 40% maiores do que as dos pacientes tratados 
        nas décadas de 50 e 60. Isso significa que, com o passar dos anos, 
        os pacientes podem esperar por possibilidades de cura cada vez maiores, 
        principalmente em função dos significativos progressos científicos 
        e tecnológicos que ocorreram nas áreas de cirurgia, radioterapia 
        e quimioterapia.
 
 Entretanto, no mesmo estudo, verificamos que pouco progresso aconteceu 
        no índice de diagnósticos em fases iniciais, com uma porcentagem 
        semelhante de casos iniciais diagnosticados nas décadas de 50 e 
        80. É importante ressaltar que esse número de casos iniciais 
        é muito pequeno, não chegando a 10% de todos os casos de 
        câncer de língua tratados no mesmo período, uma péssima 
        notícia, pois representa tratamentos mais agressivos, mais demorados, 
        com maior custo econômico e social e, infelizmente, uma menor chance 
        de cura.
 
 Especificadamente na área de câncer bucal, admite-se que 
        a Odontologia deve desempenhar um importante papel no diagnóstico 
        de lesões iniciais, porém os resultados do estudo revelam 
        que o número de pacientes que procurou um cirurgião dentista 
        para realizar esse diagnóstico foi muito pequeno.
 
 O cirurgião dentista tem a oportunidade de examinar a boca todas 
        as vezes que o seu paciente o procura para resolver algum problema dentário, 
        fato que poderia aumentar o número de diagnósticos de lesões 
        não percebidas pelo paciente, mas que já poderiam ser um 
        câncer ou uma lesão suspeita. No entanto, os números 
        do estudo indicam que apenas 2% dos pacientes foram indicados por um dentista. 
        Quanto ao tempo de sintomas, os resultados mostraram que os pacientes 
        permaneceram com queixas por 6 meses até que o diagnóstico 
        fosse firmado. Sabendo-se que nas fases iniciais o câncer não 
        produz sintomas, podemos especular que a presença do mesmo pode 
        superar 1 ano sem o devido diagnóstico.
 
 Esses números foram apresentados para sustentar uma teoria de que 
        a desinformação seja o principal inimigo na luta contra 
        o câncer. O medo de ser portador da doença afasta o paciente 
        do diagnóstico e determina a diferença de resultados terapêuticos, 
        que chegam a quase 100% de cura nas lesões iniciais e caem para 
        menos do que 30% nas lesões avançadas.
 
 Talvez exista medo de diagnosticar o câncer por parte dos próprios 
        cirurgiões dentistas, que podem considerar que estarão assinando 
        o atestado de óbito de seus pacientes ao identificarem uma lesão 
        dessa natureza sendo que, na verdade, poderão estar representando 
        o elo mais importante na cadeia de profissionais ligados ao tratamento 
        dos tumores malignos.
 
 De volta à pergunta inicial, podemos afirmar que nos dias de hoje 
        o câncer deve ser visto como uma doença muito grave, mas 
        para a qual existe tratamento e que quanto mais precoce for realizado, 
        maior chance de cura trará.
 
 Muita coisa evoluiu na área da cancerologia, porém o comportamento 
        social continua o mesmo, com a doença sendo vista como algo pecaminoso 
        que deva ser escondido. Essa atitude deve mudar e o medo paralisante da 
        doença deve dar lugar a uma postura correta de prevenção. 
        Chamamos esse medo de paralisante porque ele impede o paciente de procurar 
        atendimento profissional, mas ao mesmo tempo ele não o impulsiona 
        a deixar de usar as substâncias fortemente relacionadas ao aparecimento 
        do câncer na boca, que são o fumo e o álcool.
 
 Prevenção é possível, mas requer ação 
        tanto dos pacientes, como dos profissionais, para não falar do 
        governo. Nesse caso, teríamos um caminho ainda mais longo a percorrer.
 
 O câncer deve ser visto como uma doença que pode acontecer 
        com qualquer um e que não é motivo de vergonha. Por isso, 
        o mais importante é identificá-lo rapidamente para que o 
        tratamento mais adequado possa ser realizado. O ideal seria que essa realidade 
        de diagnóstico correto e precoce, aliado ao tratamento correto 
        e imediato, não fosse privilégio de poucos, mas cada vez 
        mais estendido à população do Brasil.
 
 É importante que toda a população seja informada 
        de que as formas de tratamento evoluíram muito nos últimos 
        anos e, consequentemente, muito se obteve em termos de cura dos pacientes. 
        Dessa forma, o medo e o estigma de uma doença incurável 
        poderão ser vencidos e os pacientes procurarão mais precocemente 
        os profissionais para o diagnóstico de seus sintomas e esses estarão 
        preparados para fazer o diagnóstico correto, produzindo além 
        de uma maior chance de cura, também uma melhor qualidade de vida 
        para os pacientes.
 
 Prof. Dr. Luciano Lauria Dib Estomatologia
 
 
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